O Caso de la Oroya. Um divisor de águas para o sistema interamericano.

24 de Mayo de 2024
O Caso de la Oroya. Um divisor de águas para o sistema interamericano.
Foto. Pixabay

O texto descreve as contribuições jurisprudenciais e as inovações jurídicas do caso de la Oroya contra o Estado do Peru, bem como seu impacto positivo em matéria ambiental.

A cidade de La Oroya, no Peru, foi classificada como um dos lugares mais poluídos do mundo. De modo que, em 2005, um relatório do Ministério da Saúde peruano constatou que 99% das crianças testadas na cidade apresentavam níveis excessivos de chumbo no sangue.

Em 22 de março de 2024, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu a sentença que declara o Peru internacionalmente responsável pela violação dos direitos de 80 habitantes de La Oroya. A decisão é o resultado de mais de 20 anos de busca por justiça para as populações afetadas.

Além disso, é um precedente fundamental para o desenvolvimento do direito internacional para a proteção do meio ambiente, pois estabelece parâmetros concretos para sua judicialização por meio do Sistema Interamericano. Da mesma forma, institui medidas inovadoras de reparação.

Fatos do caso

O Complexo Metalúrgico de La Oroya (CMLO) é um centro extrativista que opera desde 1922. Durante sua existência, o CMLO foi propriedade de empresas privadas e públicas e tem sido a principal causa da poluição ambiental em La Oroya. 

Conforme estabelecido na sentença dai Corte IDH, os altos níveis de contaminação causaram vários tipos de doenças nos habitantes de La Oroya: desde problemas respiratórios e neuropsiquiátricos até doenças cardiovasculares e câncer.

O Movimento pela Saúde de La Oroya vem lutando há mais de duas décadas para proteger a saúde da população. Em 2006, eles apresentaram uma petição à CIDH com o apoio das organizações Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente (AIDA) e Asociación Pro Derechos Humanos (APRODEH).  Dezessete anos depois, a Corte IDH declarou que o Peru é  internacionalmente responsável.

Resposta da Corte IDH

A sentença é considerável: tanto em termos da extensão de seu conteúdo quanto da magnitude de sua importância. É o primeiro caso em que um tribunal internacional decidiu sobre a possibilidade de considerar a proibição de “danos graves, generalizados, de longo prazo e irreversíveis ao meio ambiente” como uma norma de jus cogens, instando à comunidade internacional a reconhecer essa norma progressivamente (§129). 

Também apresenta vários avanços em termos do escopo dos direitos a um meio ambiente saudável e à saúde, e introduz a noção dos direitos das gerações futuras e o princípio da equidade intergeracional na jurisprudência interamericana.

A Corte considerou o Estado responsável pela violação do direito a um meio ambiente saudável, à saúde, à integridade pessoal, à vida, ao acesso à informação e à participação política. 

Além disso, considerou o Estado responsável pela violação dos direitos da criança, devido à exposição das vítimas à poluição ambiental quando eram crianças, e pela violação do direito à vida das duas pessoas que morreram em decorrência de doenças causadas pela poluição. Finalmente, considerou que o Estado não cumpriu sua obrigação de desenvolvimento progressivo em relação ao direito a um meio ambiente saudável.

Desta forma, concedeu uma série de medidas de reparação, incluindo medidas de alcance coletivo com relação aos habitantes de La Oroya. Fixou a obrigação de criar um plano de “compensação ambiental” para a recuperação do ecossistema de La Oroya (§ 351), bem como um plano para a realocação daqueles que desejem viver em outra cidade (§ 355). 

Igualmente, ordenou a garantia ao atendimento médico especializado para os afetados pela contaminação (§ 348) e a criação de um Fundo de Assistência para aqueles que precisarem sair de La Oroya para receber tratamento (§ 349).

A Corte também impôs garantias de não repetição que terão implicações para o Peru como um todo. Por um lado, ordenou que as normas que definem os padrões aceitáveis de qualidade do ar sejam compatíveis com os critérios da Organização Mundial da Saúde e “as informações científicas disponíveis” (§ 346). 

Além disso, ordenou que o Estado responsabilize as empresas de mineração por danos ambientais de acordo com o princípio do “poluidor-pagador” (§ 352); e que implemente um sistema nacional de informações sobre a qualidade do ar e da água em áreas “onde há maior atividade de mineração e metalurgia” (§ 354).

Inovações Jurisprudenciais

Não é uma tarefa fácil sintetizar as contribuições jurídicas da sentença, pois cada uma delas merece ampla discussão e análise. Trata-se de uma aplicação robusta dos padrões introduzidos pela também histórica Opinião Consultiva 23, ao mesmo tempo em que introduz importantes inovações jurídicas no sistema interamericano. 

Por exemplo, a sentença amplia o escopo de proteção do direito à saúde, pois incorpora a obrigação de evitar danos graves ao meio ambiente que possam ter um impacto na saúde das pessoas (§133). Além disso, introduz parâmetros específicos para a atribuição de responsabilidade nos casos em que o direito à saúde é atingido por danos ambientais.

O precedente estabelece um padrão probatório que não exige “a comprovação de causalidade direta entre as doenças adquiridas e a exposição a poluentes” e, assim, institui uma inversão do ônus da prova, pois caberá ao Estado provar que não é responsável por danos à saúde nos casos em que não cumpriu adequadamente sua obrigação de prevenir danos ambientais (§204).

A Corte também esclarece que a água é tanto um “elemento substantivo” do direito a um ambiente saudável quanto um direito autônomo (§118, 124). A Corte ressalta que ambos os entendimentos são compatíveis entre si, pois o primeiro é uma proteção legal com uma abordagem ecocêntrica, enquanto o segundo é baseado em uma visão antropocêntrica (§124).  

Além disso, a Corte desenvolve o princípio da precaução vinculando-o ao dever de preservar o meio ambiente a fim de proteger os direitos das gerações futuras e lhes proporcionar oportunidades de desenvolvimento (§128). 

Em outras palavras, ela introduz pela primeira vez na jurisprudência o princípio da equidade intergeracional. De modo geral, a Corte associa o princípio da equidade intergeracional aos direitos das crianças, observando que a proteção ambiental implica uma obrigação maior em relação às crianças (§243-244). 

Também é digno de nota o desenvolvimento do que a Corte chama de “elementos processuais” do direito a um ambiente saudável. Em particular, a aplicação, pela primeira vez em um caso específico, do princípio da “transparência ativa”, reconhecido na OC-23, pois estabelece a obrigação dos Estados de fornecer informações ex officio sobre assuntos que possam afetar a saúde das pessoas ou o meio ambiente (§255).

Observações sobre as contribuições jurídicas da decisão

Pode parecer que a Corte identifica a proibição de “danos graves, generalizados, de longo prazo e irreversíveis ao meio ambiente” como uma norma peremptória que não pode ser derrogada. Entretanto, a posterior recomendação à comunidade internacional para que reconheça progressivamente essa norma sugere que a Corte considera que ela não adquiriu o caráter de jus cogens. 

Em contraste, na opinião fundamentada dos juízes Pérez Manrique, Ferrer e Mudrovitsch, eles parecem argumentar que a norma peremptória é “a proteção do meio ambiente” e que há um reconhecimento abundante de seu caráter peremptório.  A Corte IDH terá uma excelente oportunidade de expandir e esclarecer o escopo da norma de jus cogens que identificou na opinião consultiva sobre a emergência climática.

 

É bem provável que o tribunal opte por esclarecer que a norma não derrogável diz respeito à proibição de danos graves, extensos, duradouros e irreversíveis, já que há uma argumentação abundante no texto da sentença de La Oroya sobre a possibilidade de justificar impactos ambientais sob certas premissas muito específicas (por exemplo, §112, 149). Isto tornaria mais complexa e difícil a demonstração de que a proteção ambiental em geral é uma norma peremptória do direito internacional.

Por outro lado, a aplicação dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos a eventos anteriores à sua criação poderia ser problemática, considerando que se poderia argumentar uma possível aplicação retroativa destes princípios.

Entretanto, se o dano ambiental for um dano contínuo, como a Corte parece argumentar (§245), não haveria espaço para tal argumento. No futuro, seria útil que a Corte decidisse sobre esse aspecto da atribuição de responsabilidade. 

Nem todo dano ambiental teria necessariamente um impacto sobre a mudança climática. Apesar disso, a sentença parece usar a noção de emergência climática indiscriminadamente (§232, 233). 

Diferenciar o tipo de dano ambiental poderia dar certeza aos peticionários e aos Estados sobre como um descumprimento de obrigação internacional e a correspondente atribuição de responsabilidade devem ser demonstrados quando tais violações de direitos humanos ocorrerem ou forem alegadas.

Por fim, a formulação de reparações impõe alguns padrões que formam desafios importantes durante o monitoramento da conformidade. Por exemplo, o Tribunal ordenou um plano de ação para “remediar” (§ 333) o dano ambiental. 

No entanto, dada a natureza do caso específico, há o risco de que surja uma disputa entre as partes sobre o que exatamente deve ser considerado para que o dano ambiental seja tido como “reparado” e, em caso afirmativo, se isso é materialmente possível ou se o Estado deve apenas mitigar o dano ambiental.

Conclusões

É difícil enfatizar adequadamente a importância da decisão de La Oroya. Seria pouco generoso dizer que ela é histórica para o Peru, para a região e para o sistema jurídico internacional. O desenvolvimento da argumentação jurídica contribuirá para trazer certeza ao escopo de algumas das medidas legais que o Tribunal tomou precipitadamente em sentenças anteriores. 

Ao mesmo tempo, a próxima Opinião Consultiva sobre emergência climática representará uma oportunidade para a Corte desenvolver e esclarecer os padrões jurisprudenciais introduzidos.

Citação acadêmica sugerida: Ortega Franco, Alfredo e Milián, Sofía Alejandra. O Caso de la Oroya. Um divisor de águas para o sistema interamericano. Agenda Estado de Derecho, 2024/05/07. Disponível em: https://agendaestadodederecho.com/o-caso-de-la-oroya/

Palavras chave: Peru; Sistema interamericano; Oroya; meio ambiente saudável.

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ACERCA DE LOS AUTORES
Alfredo Ortega Franco

Es abogado guatemalteco. Es maestro en Derecho Internacional de los Derechos Humanos por la Universidad de Notre Dame y cuenta también con una Maestría en Políticas Públicas por la Universidad de Oxford. Ha trabajado para la Corte Interamericana de Derechos Humanos y también como abogado litigante en el Centro por la Justicia y el Derecho Internacional (Cejil). Actualmente es profesor de derecho internacional en la Universidad Rafael Landívar.

Sofía Alejandra Milián

Estudiante de Ciencias Jurídicas en la Universidad Rafael Landívar. Tiene experiencia como asistente legal en litigio ante la CIDH e incidencia ante procedimientos especiales de NNUU. Ha trabajado en casos relacionados con derechos de los pueblos indígenas, derechos sexuales y reproductivos, independencia judicial, y DESCA. En la actualidad, es auxiliar de investigación en la Vicerrectoría de Investigación y Proyección de la Universidad Rafael Landívar.

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Docente y conferenciasta en el campo de la libertad de expresión y el derecho a la información en prestigiosas universidades, entre ellas American University (Washington), Unam (México), Universidad Carlos III (España), Stanford (California), Universidad del Pacífico (Perú), UBA (Argentina) Universidad Diego Portales (Chile), Udelar (Uruguay) y Universidad de los Andes (Colombia). Periodista, columnista y colaborador asiduo en distintos medios de comunicación.

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