O sistema de representação política nos parlamentos tem sido pressionado há anos para se tornar um ambiente mais permeável aos diversos grupos que historicamente foram partes de processos de exclusão social, tais como mulheres, pessoas pretas, indígenas, pessoas com deficiência e população LGBTQIAP+. Afinal, é o Poder Legislativo que deve expressar institucionalmente um regime de pluralidade democrática.

No Brasil, essa tarefa tem obtido alguns avanços com a aprovação legislativa de ações afirmativas eleitorais para mulheres e com o reforço de algumas decisões provenientes do Supremo Tribunal Federal (STF) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para incentivar e criar candidaturas políticas viáveis de mulheres e pessoas pretas. Entretanto, um dos principais obstáculos no enfrentamento dessa pauta está na distribuição dos recursos para financiamento dos partidos políticos e das candidaturas, considerando que no Brasil esse dinheiro provém primordialmente de fundos públicos.

Diante desse cenário, no último dia 22 de agosto foi aprovada a Emenda Constitucional (EC) 133, a qual estabelece a obrigatoriedade da aplicação de 30% de recursos financeiros para candidaturas de pessoas pretas e pardas. Medida semelhante em relação às mulheres já havia sido adotada em 2022 com a EC 117.

À primeira vista, tais reformas parecem estar buscando um fortalecimento da diversidade no sistema eleitoral brasileiro com vistas a suprir o histórico déficit de presença política com recorte de gênero e raça. Apesar do crescimento em relação aos períodos anteriores, na última eleição para a Câmara dos Deputados em 2022, apenas 26% das cadeiras foram ocupadas por pessoas pretas e pardas e somente 17% por mulheres. Estaríamos com essas mudanças, portanto, diante de emendas constitucionais feministas e antirracistas. No entanto, é preciso colocar em perspectiva a novidade dessas reformas e, principalmente, as suas potencialidades transformadoras.

A busca por garantia de aplicação de recursos mínimos às candidaturas de mulheres e pessoas pretas no Brasil faz parte de um movimento inicial que já tem se dado no nível infraconstitucional e que não provém necessariamente do próprio Poder Legislativo. Isso porque foram decisões recentes do STF e do TSE que ampliaram as obrigações de gastos dos partidos com essas ações afirmativas, como é o caso da ADPF 738, decidida em 2020 pelo STF. Essa ação tinha como objeto justamente uma resposta a uma Consulta proferida pelo TSE (n. 0600306-47.2019.6.00.0000), a qual determinava a distribuição de recursos de forma proporcional ao número de pessoas pretas candidatas a partir da eleição de 2022. Em sua decisão, o STF determinou que a distribuição proporcional se desse já no pleito de 2020.

O que se nota atualmente com essas emendas é o fato de que tais questões sobem um degrau na hierarquia normativa e passam a contar com a proteção no nível constitucional, suas mudanças se tornam mais dificultosas e qualquer legislação infraconstitucional aprovada em sentido diverso será inconstitucional.

Por outro lado, a mão que constitucionaliza é a mesma que descumpre a Constituição, pois a EC 133, assim como a EC 117, estabeleceu instrumentos de perdão das dívidas anteriores dos partidos políticos em relação à não aplicação dos valores mínimos às candidaturas de mulheres e pessoas pretas. Essas anistias enfraquecem o potencial feminista e antirracista dessas mudanças constitucionais, pois sinalizam que o cumprimento futuro dessas normas constitucionais não está totalmente garantido, já que os parlamentares têm aprovado consecutivas decisões de autoperdão sobre as ações afirmativas.

Logo em seguida à promulgação da EC 133, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7707 alegando que o percentual fixo de 30% dos recursos violaria o princípio da igualdade quando houvesse um número maior de candidaturas pretas e que a determinação de aplicação das regras da EC 133 já para a eleição de 2024 violaria a anterioridade eleitoral (art. 16 da CF). Em decisão liminar, o Ministro Cristiano Zanin indeferiu ambos os pedidos no dia 06/09/2024. 

Essas movimentações constitucionais têm como pano de fundo o próprio elemento democrático da ordem constitucional brasileira, pois postergar ou enfraquecer o cumprimento de deveres constitucionais de inclusão política caminha em sentido contrário a uma democracia que não pode mais esperar para ser feminista e antirracista.